sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Tecnolatria, usos e desusos

Wallace Vianna é web designer e desenvolvedor web


A valorização exagerada da tecnologia, seja por desinformação ou culto, leva a algumas situações curiosas que merecem uma análise.

Cena 1:
Certa vez um(a) cliente me solicitou uma visita, pois tinha uma demanda - melhorar o site da empresa. A primeira coisa que me perguntou foi "em qual programa o site foi feito?". Eu até mostrei qual era o programa e de onde baixar, mas tive de explicar que ele/a não conhecia o programa, e mesmo que fizesse um curso, tem uma série de in/formações necessárias pra fazer um site igual ou melhor ao que tinha.

Cena 2:
Meu irmão tinha um sócio, mas a captação de clientes quem fazia era meu irmão. Certa vez o sócio perguntou como fazer pra captar clientes. Meu irmão explicou as ferramentas usadas, sem susto, pois conhecer as técnicas ou os tecnologias não substitui a experiência no assunto. Moral da história, o sócio não conseguiu o mesmo resultado, embora tivesse o caminho das pedras e as ferramentas a mão.

Cena 3:
O rapaz tinha problemas cognitivos visíveis e trabalhava de faxineiro na empresa, que por sua vez oferecia cursos profissionalizantes. O rapaz comentou com um dos sócios que queria fazer um curso, pois, para ele "saber a ferramenta de trabalho" podia render a ele X por mês, no primeiro ano e Y por mês nos anos seguintes.
Não preciso dizer que fazê-lo mudar de ideia - explicar como as coisas funcionam - não era possível.

Essas situações foram  muito didáticas pra mostrar que a tecnolatria pode ser a coisa mais próxima das pessoas, mas não é a determinante. Isso vale para outras áreas do conhecimento além de tecnologias - pode ser in/formação sobre um assunto sob a forma de curso, palestra ou treinamento. O que determina o sucesso com o conhecimento adquirido é o objetivo, o modo e uso que vai ser dado a ele.

Talvez o exemplo mais claro são os cargos de chefia ou direção de empresas, onde os responsáveis podem não saber lidar com as ferramentas de trabalho dos funcionários operacionais, mas lidam com outras questões mais abrangentes e que demandam conhecimento igualmente técnico mas em outras áreas. Quem já não teve chefe que não era da sua área profissional que atire a primeira pedra.

Até conhecer uma tecnologia ou ferramenta de trabalho embute habilidades e conhecimentos práticos ou teóricos que vão além da ferramenta: a agilidade no uso conquistada com o tempo, saber a melhor maneira de usar a ferramenta pra ganhar tempo ou obter resultado melhor, etc. Mas que o mercado fomenta 

a tecnolatria ou a idolatria da tecnologia como solução de todos os problemas 

com certeza vai de encontro aos interesses do capitalismo (sem querer endemonizá-lo), mantendo o trabalhador alheio ao mundo de demandas e conhecimentos necessários para se viver de forma autônoma (leia-se fora do universo de uma empresa).

Antes de tudo, quero dizer que empresas, em si não são boas nem más: empresas podem ser cooperativas onde todos são funcionários e donos como podem ser geridas por uma ou mais pessoas. Em todos os casos, um grupo de pessoas se dividem em tarefas para geras produtos ou serviços em quantidade, de modo organizado, mais rapidamente do que se os trabalhadores atuassem sozinhos no mercado de trabalho. É a estrutura que os formigueiros ilustram bem: o trabalhos de todos traz o bem comum àquela comunidade.

Creio que a tecnolatria acaba sendo utilizada para reunir pessoas com gostos em comum, assim como o esporte, o entretenimento ou até a fé (existem empresas que vendem seus produtos e serviços como se fossem uma religião, fazendo dos clientes devotos fiéis).

Seja qual for o uso ou apropriação que a tecnologia media, temos de olhar pra ela como um meio, mais do que um fim. E essa mídia/meio não funciona sozinha - até um robô que executa tarefas repetitivas tem de ser programado por alguém (nem vou citar o fato de o robô ser criado por seres humanos e precisar de manutenção para que possa executar suas tarefas ao longo do tempo).

Assim sendo, vamos aprender a tecnologia o melhor possível, sim, mas para impulsionar nossas vidas fazendo sobrar tempo para outras áreas, ligadas ou não ao trabalho.




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